#DICIONÁRIO DA MÚSICA BRASILEIRA# Walter Franco

Walter Franco

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Assim como muitos dos chamados "marginais" da música brasileira, Walter Franco nunca foi de fato um sucesso (no sentido esperado da palavra), o que não é problema de forma alguma. Não só por que certamente o tipo de som que trouxe ao mundo não é tão fácil, mas por que seria surreal imaginar um mundo onde tal tipo de complexidade musical fosse tocada em rádios. Walter Franco iniciou seu sucesso alternativo (esse sim, teve e muito) com potência em seu primeiro álbum, com um nome tão forte quanto suas músicas Walter Franco - Ou não. A icônica capa trazia aquela incômoda mosca no fundo branco.

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Para mim, a primeira faixa Mixturação é o suficiente para não precisar de mais nada. O álbum poderia ser só essa faixa. É até difícil explicar tamanha densidade presente nessa faixa, de poucos versos, mas tão profunda.

"O raciocínio lento,
O poço, pensamento,
O olho, orifício,
O passo, precipício.
Eu quero que esse teto caia.
Eu quero que esse afeto saia. Eu quero que esse teto caia.
Eu quero que esse afeto saia.

Em vermelho natural,
Com gosto de água e sal,
No rosto e no lençol,
Misturando o bem e o mal."

O que a torna tão intensa não é de fato sua poesia quebrada e subjetiva, mas a força e a energia aplicada por Walter.

Mas mesmo essa faixa, não dá nem sinal do que viria a ser o potencial arrebatador de composição desse incrível música, e fica até difícil dedicar poucas linhas para esta análise. Poderíamos falar de Feito Gente, onde de forma visceral espalha sua dor do amor:

"Feito gente, feito fase
Eu te amei, como pude
Fui inteiro, fui metade
Eu te amei, como pude

Fui a faca e a ferida
Eu te amei como pude
Feito bicho que se espanta
Eu te amei como pude
Quando chega a morte e a vida"

Ou então, esse pequeno mantra arrebatador presente na "Coração Tranquilo":

"Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo"
cantado ao infinito até a música se dissolver em uma meditação musical crescente, rasgada ainda por uma sanfona poderosa.

Também em "Respire Fundo", Walter segue o esquema de letra curta repetida inúmeras vezes até que esta tome uma forma coesa e poderosa:

"Abra os braços, respíre fundo
E corte os laços todos deste mundo
Com a sua imagem e semelhança
Nos mesmos traços de uma criança

Muito mansa e muito louca
Com a sua voz na minha boca
Há um segundo, Jesus Cristo
Por todos nós, por tudo isso"

Acabou por aí encontrar sua fórmula, extremamente eficaz, por que consegue incrivelmente não se tornar cansativo, mesmo quando repetitiva. Um exemplo disso é Revolver, canção fantástica que poderia muito bem ser premiada por tamanha criação:
"Lembrar de esquecer
Esquecer de lembrar
Cansar de dormir
Dormir descansar
Sorrir de doer
Doer de sangrar
Sangrar de morrer
Morrer de lembrar
Lembrar de esquecer
Esquecer de lembrar
Cansar de dormir
Dormir descansar"

É importante ouvir e não apenas ler estas letras, Walter Franco não é letrista apenas, ele é um compositor melódico fenomenal, o modo como trabalha com as palavras em sua sossegada língua alternando entre uma paz arrebatadora e a fúria profunda do inconsciente é o que ele tem de melhor.

Mas decidi por deixar como exemplo sonoro junto com a letra a canção para mim que mais forte representa o potencial desse fantástico compositor, essa no caso, escrita pelo seu pai, mas ainda assim, interpretada de forma perfeita por Walter. Vela Aberta traz nuances profundas de paz e nostalgia, algo de esperança e segredo presente naquela sensação vaga e perdida de olhar a linha do horizonte na praia, e pensar no além mar, uma poesia tão densa e emocionante que fica difícil explicar:

"Lá vai uma vela aberta
Se afastando pelo mar
Branca visão que desperta
Anseios de navegar
Meus olhos seguem a vela
Pela vastidão do mar
Ainda se torna mais bela
Na expressão do teu olhar
Expressão vaga e perdida
Que eu nem sei como explicar
Nela vejo refletida
Toda beleza do mar
Quero os horizontes novos
Que ele vai me ofertar
Sou irmão dos outros povos
Que estão para além do mar"

Entreguem-se a esta poesia:

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