GUILHERME LAMOUNIER
Ao ouvir os versos de "Será que eu pus um grilo na sua cabeça" é difícil imaginar que aquele frescor já datado presente nas composições de Guilherme Lamounier seja apenas um vestígio nublado hoje em dia, com seu compositor fadado ao silêncio social da doença mental, longe de qualquer resquício de genialidade musical expressa em seu fantástico álbum de 1973, uma verdadeira obra prima brasileira praticamente desconhecida! É quase chocante se não fosse um lugar comum no mundo da música tais reclusões dadas pelos excessos de uma vida intensa e mais forte do que se poderia aguentar. De uma forma quase mórbida e estranha a jornada de reclusão de Lamounier lembra muito a de Syd Barrett, de Daniel Johnston, de Arnaldo Baptista. Todos gênios inquestionáveis que perderam seu brilho seja por doença mental desencadeada por droga, ou variações do mesmo motivo, mas quase sempre seguindo um caminho semelhante.
O grande música é mais famoso por músicas menos poderosas, presentes em novelas da globo, mas para qualquer um que conhece um pouco do potencial das raridades do Brasil, conhece a pérola de 73, um album com uma capa psicodélica que hoje só se encontra na faixa de mil reais. E se existe um caminho para analisar o potencial de Lamounier é exatamente neste álbum!
A começar por "Mini Neila", uma canção com tom de fábula nostálgica que consegue tornar a memória da infância quase palpável. Saber que esse hit brutalmente pop está empoeirado no mundo da música chega a me doer no coração. Sua métrica, letra e melodia são primorosas. Já "Telhados do mundo" é uma balada psicodélica quase progressiva (ou seria pós-progressiva?) que traz toda a viagem nítida pela qual provavelmente Lamounier e seus amigos viviam naquela época. O ácido lisérgico e todas as variações possíveis de psicotrópicos eram valorizadíssimos. Ao cantar "Não me interessa saber o que vocês pensam de mim por aí, só me interessa saber quem sou, ou o que não sou por aqui", consegue revelar muito de sua aflição interior que infelizmente ficam fragmentadas dado nossa distância de observação da vida deste gênio. Em "Amanhã não sei", arrebatadora e também melancólica traz essa grande carga emocional no seu refrão: "Oh meu amor não pense mais no amanhã, ... não faça agora o amanhã..., seu amanhã agora...", acabando em um arrebatador arranjo de cordas crescente e poderoso em meio aos gritos rasgados de soul tão presentes em sua música.
O álbum inteiro é uma obra prima como já falei, não existe música ruim neste disco e se existe uma certeza é que Lamounier precisa ser descoberto, admirado, mesmo que tardiamente. Guilherme Lamounier hoje segue sua vida reclusa em seu apartamento, longe de qualquer lembrança de tudo que vivei (provavelmente) e tudo isso graças a esquizofrenia que, segundo seu ex parceiro e amigo, não quer tratar, por que não acredita que seja doente. Anda sujo, mal arrumado, sente-se perseguido, tem delírios e fantasias...
Nos resta seguir a vida tendo na memória auditiva, o potencial desta obra prima composta por ele.