17/09/2013
Ainda em Cravinhos. Essa noite foi tensa. No meio da noite a cobertura da barraca saiu voando, tive que arruma-la em baixo da chuva. Juntei tudo que eu tinha no meio da barraca e dormi abraçado com minhas malas. Senti as silfos do vento brincando comigo, jogando as paredes da barraca contra mim, parecia que a qualquer momento eu levantaria voo e seria arrastado pelo céu com elas. Com fé no universo dormi pesado. Sonhei muito, inclusive com um lago e um barco. Haviam 2 de mim. Um resolveu ir no lago descobrir o que tinha lá, o outro resolveu vir pra cá e arrumar as coisas aqui. Acordei no meio de uma poça mas com todas as minhas coisas secas. Minha barraca estava destruida, com as varetas quebradas e a lona rasgada. Tive que abandonar ela e o colchonete que estava ensopado e pesando muito. O bom é que agora viajo mais leve e ainda tenho bastante coberta, sem falar no isolante. Ainda hoje saio desse posto e vou pro sul. Agora eu entendo melhor a fé cristã. Até mesmo eu me sinto mais cristão do que antes. Deve ter a ver que Cristo foi um hippie andarilho como eu.
Consegui sair do posto no meio do dia, peguei carona num caminhão cegonha de carros batidos. O motorista Carlos fez uma viagem tranquila, e som do caminhão dele era muito potente. Cruzamos boa parte do caminho ouvindo um bom rock'n'roll em alta qualidade, no conforto máximo que um caminhão pode oferecer. Mas tudo que é bom dura pouco. Um pedaço de um carro batido saiu voando e acertou outro carro e o motorista veio atras de nós. Nos perseguiu um tempo mas Carlos não queria parar, até que o carro auxiliado por um terceiro fecharam a gente e nos fizeram parar no meio da pista. Começou um bate boca absurdo, os caras tentando abrir a porta do caminhão e o terceiro falando que era policial (e eu suando frio por estar com as drogas) que ia levar a gente pra delegacia e o escambau. Por sorte nessa hora estava passando um fiscal da rodovia e resolveu a situação. Deu um esporro no terceiro por parar a rodovia (um verdadeiro perigo mesmo, poderia causar um engavetamento forte) e mandou ele embora. Ai falou pro rapaz do carro que era a empresa quem pagaria os danos do carro e não o motorista (exatamente o que Carlos falou pra ele sem parar) com isso o cara do carro finalmente entendeu, pegou o cartão da empresa do Carlos e seguiu em frente. Nós também conseguimos seguir viagem dando muitas risadas da situação toda (depois da tensão sempre vem o riso)
Chegamos no destino da viagem dele, que era uma "loja" de leilão de carros batidos. Confesso que não tinha ideia da quantidade de carros abandonados que tinham lá. A energia do lugar era uma viagem: era densa de algo fora da lei e ao mesmo tempo dinâmica pois o cegonha foi descarregado com uma velocidade impressionante. Não fiz muitas perguntas pois senti essa atmosfera densa, mas tenho certeza que muita coisa fora da lei acontecia ali. Resolvi esperar no caminhão enquanto Carlos fazia as negociações dele. Quando terminou ele voltou com uma marmita e uma coca. Comemos trocando ideia no caminhão e ouvindo musica, até que ele falou que mudaram o percurso dele e não iria mais pro lado que eu precisava. Porem poderia me deixar numa estrada perto de Sorocaba, onde eu conseguiria carona pro Sul. Me despedi de meu amigo e desci na estrada, pensando como faria agora, já que na estrada é bem mais difícil de conseguir carona que num posto, e estava sem barraca para acampar caso não conseguisse carona até a noite.
O estado de São Paulo é o pior de se conseguir carona. Varias empresas proíbem os caminhoneiros de darem carona, e se não proíbem os caminhoneiros mesmo que fecham a cara. E grande parte dos motoristas também, não dão carona, diferente da Bahia ou de Minas. Fiquei algum tempo tentando e resolvi caminhar para um trevo que tinham mais possibilidades de carona. Fiquei até perto de escurecer quando decidi que não iria mais esperar, que ia tomar uma atitude, que ia resolver meu problema de uma vez: Liguei para minha mãe que mora em Sorocaba vir me buscar...
Essa é uma série que envolve minhas viagens pelo Brasil. Encontrei meus diários e resolvi compartilhar eles aqui.
- Apresentação - Inicio da série
- Capitulo Anterior - Passando Noites em Postos de Gasolina
- Próximo Capitulo - Na Safehouse A.K.A A Casa da Mamãe