A Pizza e a Inércia

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A pizza chegou em casa com o recheio nitidamente deslocado para um lado. Por que?



De casa, pelo telefone, peço pizza. O motoboy a entrega. Pego a embalagem de papelão e sinto na mão que a pizza está quentinha! Maravilha!

Mas, quando abro a embalagem, surpresa! Como se pode observar na foto acima, que mesmo com fome fui fazer antes de comer a pizza, o recheio está nitidamente deslocado para um lado do disco!

O que houve? Por que tal assimetria? Descuido do pizzaiolo? Ou será que a Física tem uma explicação melhor?

A tal da inércia

Lembra da Lei da Inércia? A Primeira Lei de Newton? É ela quem pode nos dar uma melhor noção do que houve com o recheio da pizza.

Galileo Galilei (1564-1642) plantou a semente do conceito de inércia. E Isaac Newton (1643-1727) deu a ele o seu formato definitivo. Confira abaixo o enunciado informal da Primeira Lei de Newton, a Lei da Inércia:

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Somente uma ou mais forças, tal que a força resultante não seja nula, pode “quebrar” a tendência inercial de um corpo de permanecer em repouso ou em MRU.

Em outras palavras, o que a Lei da Inércia prega é que só precisamos de uma ou mais forças para MODIFICAR um movimento, ou seja, para alterar o vetor velocidade prévio de um corpo. Para manter um movimento retilíneo e uniforme, aquele em que o vetor velocidade não se modifica em nenhum dos seus aspectos vetoriais¹, não precisamos de força(s) porque tal movimento persiste por inércia!

Assim, se um corpo estiver livre da ação de forças ou, o que é mais comum, estiver sofrendo várias forças que se anulam, ele (corpo), sob força resultante nula, irá:

  • I) permanecer em repouso caso já se encontre parado, ou
  • II) continuar se movendo na mesma direção e no mesmo sentido em que já se movia e com a mesma rapidez, ou seja, com a mesma velocidade escalar.

Fica evidente pela imagem da pizza com recheio assimétrico que numa freada brusca, ou quem sabe talvez em várias freadas bruscas sucessivas, o motoboy sempre apressadinho sem querer acabou fazendo o recheio deslocar-se por inércia para frente em relação ao disco da pizza. Assim, a cada freada brusca da moto, o recheio apenas tentava seguir o seu movimento retilíneo e uniforme adiante enquanto o disco de pizza brecava solidário à moto. Dá para entender a ideia física?

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O recheio assimétrico na imagem acima aponta que, neste ponto de vista, o movimento (velocidade) da pizza carregada pela moto era para a direita enquanto a freada (aceleração) contrária foi para a esquerda

E vale reforçar ainda que a base de queijo quente e, portanto, maleável, só favoreceu o deslizamento do recheio em relação ao disco! O recheio tinha a tendência de manter seu movimento para frente enquanto a moto, ao brecar, acelerava para trás.

Aposto que você já sentiu a inércia na própria pele

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Passageiros em pé dentro de um ônibus, um excelente laboratório para testarmos a Lei da Inércia. (Fonte: Pìxabay)

Tenho certeza que você já sentiu a inércia na própria pele ao andar de carro ou, melhor ainda, de ônibus.

Especialmente nos ônibus urbanos nos quais muitas vezes viajamos em pé, o efeito da inércia é ainda mais perceptível.

Quando andamos de ônibus, podemos observar três situações distintas:

Situação 1: O ônibus freia
Numa freada do veículo você tem a impressão de ter sido empurrado para frente. Na verdade, não houve empurrão algum sobre você, mas apenas a sua tendência de continuar seguindo para frente em MRU, exatamente o mesmo que aconteceu com o recheio da pizza.

Situação 2: O ônibus inicialmente parado arranca e adquire velocidade
Você, previamente em repouso em relação ao chão, tal qual o ônibus, tende a continuar em repouso. A sensação, ao contrário, agora é de ser empurrado para trás. Mas, mais uma vez, não há força alguma, apenas a manifestação da inércia, ou seja, da tendência de permanecer em repouso em relação ao chão.

Situação 3: O ônibus faz uma curva
Numa situação de curva também temos a tendência de continuar em MRU pela tangente à trajetória. Neste caso, de dentro do ônibus, nos sentimos empurrados lateralmente. Mais uma vez atesto a ausência de qualquer força e a manifestação da inércia que provoca uma sensação de força mas não é força. Do ponto de vista newtoniano, uma força real só existe quando existem dois corpos envolvidos sendo que um faz a força e o outro a recebe. Temos uma ação entre corpos, ou seja, uma interação.

Em cada uma das três situações acima, de dentro do ônibus, o passageiro vai sentir-se empurrado. Na situação 1, no referencial do ônibus, o passageiro é capaz de jurar que foi empurrado para frente. Na situação 2, ao contrário, sente-se empurrado para trás. E na situação 3 sente-se jogado para fora da curva. Mas trata-se apenas de uma "sensação" de força² causada pela aceleração tangencial e/ou radial do veículo. Logo, no fundo, é tudo manifestação da inércia, uma propriedade fundamental da matéria.


Encerro o meu texto observando que a Física está presente em tudo! Basta saber olhar o mundo à sua volta e reconhecê-la! Concorda?




Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!






¹ Toda grandeza vetorial deve ser caracterizada por cada um dos seus três aspectos: 1. intensidade (ou módulo), 2. direção e 3. sentido.

² À "sensação" de força chamamos de força inercial ou ainda de força fictícia. Prefiro esta segunda forma que deixa clara a ideia de que a força sendo fictícia não existe de fato e é apenas um efeito da inércia sentido pelo observador a partir de um referencial não-inercial, ou seja, acelerado.




O tema inércia já foi tratado por mim no Física na Veia! (UOL Ciência) em julho de 2007 neste post ainda na primeira plataforma do blog que agora está hospedado em www.fisicanaveia.com.br, plataforma dos blogs oficiais do portal UOL.


Este texto também foi publicado no Física na veia! (UOL Ciência) neste link.

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