Na calmaria da noite bucólica – Francisco de Araújo

Mitologia timorense
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Na calmaria da noite bucólica, nos aredores da minha casa em Tidin-Botir, as corujas começaram a executar as suas vozes em cima dos ai samtuku (variedade de acácia usada para dar sombra à planta do café, em Tétum) e dos ai rús (palavão preto). Eu estava quieto no meu quarto a ouvir esses sons agradáveis. Instantes depois, espreitei pela janela a tranquilidade da noite, ouvindo o sussuro do vento nas folhagens verdes.

O meu pai, a minha mãe e o tio Manuel ainda estavam a conversar, depois do jantar, acerca dos belos tempos que tinham vivido e passado nas antigas moradias de Dirik-Hu'an e Kakolo, em Laclúbar. Sentaram-se numa esteira e à roda de um candeeiro que iluminou a escuridão daquela noite, pois não havia a eletricidade. Os insetos e pequenas borboletas voaram então em volta do candeeiro e o vento que sopra das brechas apagou repentinamente a luz. A sala ficou escura. O tio Manuel tirou o isqueiro do seu pequeno surrão e acendeu de novo o candeeiro. A noite era muito fria. Estávamos todos cobridos com a manta cobertor.

Já é meia noite, vamos dormir. – Disse silenciosamente a minha alma.
Espera um bocadinho, quero ouvir ainda o canto das corujas e a conversa dos pais e do tio Manuel. – Respondi.

As corujas continuaram a executar intensamente as suas vozes.

O tio Manuel e os meus pais mudaram então do assunto e começaram a falar sobre o canto das corujas:

Estão a ouvir? As corujas voltam a cantar. – Disse a minha mãe.

Sim, elas cantam porque vêm anunciar a proximidade da morte de alguém da família ou da aldeia. Vamos ver se nos próximos dias vier alguma notícia acerca da morte de alguém – Respondeu o meu pai.

Vamos lá ver! As corujas anunciam a morte porque elas são agourentas. – Acrescentou o tio Manuel.

Foi assim, saí do meu quarto e entrei na conversa, disse-lhes então: – as corujas não são agourentas. Para muitas culturas no mundo, elas simbolizam a sabedoria. Elas não dormem à noite, vigilantes e atentas, com olhos arregalados, conhecem e descobrem as realidades ocultas da noite.

A minha mãe e o tio Manuel responderam, dizendo: – Filho, tu não sabes mas desde o tempo dos nossos antepassados, o canto das corujas sempre traz má notícia, anunciando a morte de alguém. Todas as pessoas nesta região acreditam nisso.

Mas isso é superstição. – Respondi.

Já era meia noite, nada mais repliquei, fui ao meu quarto e deitei-me na cama, considerando que cada povo no mundo vive com os seus mitos, suas superstições e lendas. Com o passar do tempo pode-se mudar a mentalidade supersticiosa de um povo que já se enraizou há muito tempo.

Muito obrigado pela leitura!

Francisco de Araújo (Q2)

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