Diarios da Estrada 11 - Flertando com a Morte por Hipotermia

O festival acabou e praticamente todo mundo foi embora. Ficamos apenas nós, dois Djs e um cara da decoração, toda a organização já vazou. O caseiro da chácara veio falar com a gente e disse que só amanha que iria pra cidade, então poderia nos levar até a estrada. Perguntamos se havia algum lugar seco para passar a noite, já que todas as nossas coisas estava encharcadas, tudo era lama e a chuva só tinha diminuído, mas pela cheiro no ar ainda vai chover muito mais. Ele nos deixou ocupar um galpão perto de onde estávamos, tinha um fogão a lenha e um banheiro (GLORIA!!!) mas o chuveiro ali não era aquecido (felicidade de hippie dura pouco...). Porem só de sair da chuva e sentar em um lugar seco já tava lindo.

Nos instalamos no centro do galpão e colocamos todas nossas cobertas menos molhadas pra forrar o chão, acendemos o fogão a lenha e fizemos uma janta com o que sobrou do banquete de ontem. Tava tudo muito divertido, ainda tínhamos um garrafão de vinho e muita maconha, então não foi difícil dormir. Um a um fomos deitando nas cobertas, sempre bem perto para não perder o calor humano. Lembro de ter sonhado algo bom até que determinado momento eu comecei a passar muito frio, e eu nunca passo muito frio, então fiz um esforço absurdo para levantar.

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Photo credit: ferran pestaña on Visualhunt / CC BY-SA

Olhei naquele semi breu e vi um de meus amigos sentado em posição de lótus. Achei estranho pois nunca tinha visto ele dormir sentado assim e senti de me aproximar pra ver se estava tudo bem, se ele dormiu no meio de uma meditação, pois algo não me parecia certo. Ao chegar nele percebi que estava completamente pálido, com os lábios roxos e muito gelado. Um frio percorreu minha espinha. Cheguei perto para ver se ele ainda estava respirando e ouvi ele falar bem baixinho "Me ajuda, eu to morrendo".

Nessa hora um calor cresceu dentro de mim e eu abracei ele, mas sabia que precisava esquentar ele mais rápido. Num pulo corri para o fogão a lenha que ainda tinha umas brasas, coloquei todas dentro de um panelão e fui pra perto dele. Soprei elas até ficarem bem incandescentes e direcionei pra ele. O ar ao nosso redor começou a ficar quente e outras pessoas naturalmente começaram a se aproximar e ficar bem colado na gente. Ele conseguiu se mover e deitou no meio do bolo da galera que tava se amontuando ao redor da panela e o resto da noite foi isso, eu e o calor da brasa esquentando meus amigos.

Quando amanheceu ainda chovia mas não estava tão frio. O caseiro da chácara apareceu com um trator com uma charretinha e falou pra todo mundo subir, pois se não fossemos agora só daqui dois dias. Juntamos nossas coisas, separamos as coberturas das barracas para fazer uma cobertura improvisada na charretinha, subimos e partimos rumo a civilização. Seria impossível passar pelo lamaçal com um carro, sorte que o universo colocou esse trator na nossa história. Descemos na estrada e pegamos o ônibus para voltar até Caxias do Sul. Meu amigo veio e me agradeceu profundamente por ter acordado e ajudado ele. Eu fiquei bem feliz de ter esse contato com o fogo e poder ajudar.

Essa é uma série que envolve minhas viagens pelo Brasil. Encontrei meus diários e resolvi compartilhar eles aqui.



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