#DICIONÁRIO DA MÚSICA BRASILEIRA# Cartola

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"Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida", quando sentir-se tocado enfim, pelo lamento sóbrio e maduro de Cartola, quem sabe possas dizer-se conhecedor dos agridoces momentos dessa existência pela qual todo ser humano passa. Quem segue minhas publicações do Dicionário da Música Brasileira sabe de minha predileção pela melancolia musical e provavelmente acabará por considerar como plausível a teoria de que é a tristeza que mais cria a favor da arte. Não será diferente hoje, agora, aqui, falando sobre esse incrível compositor chamado Agenor de Oliveira, mais conhecido por Cartola.

Cartola teve grandes sambas gravados em seus vários álbuns, teve grande sucesso com musicas não necessariamente melancólicas, mas poucas soam tão poderosas e intensas quanto duas canções presentes no seu álbum de 1976, conhecido apenas como Cartola II. A primeira, é a própria abertura do álbum, devastadora com sua letra/carta em um conselho amargo e sincero a respeito das dificuldades do mundo, cantada para sua filha de criação Creuza. O mundo é um moínho

Melhor do que interpretar ou discorrer, é ler a própria letra e ouvir esse poderoso e melancólico samba:

"Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés"

A outra canção, é "Preciso me encontrar", esta por sua vez é composição de Antonio Candeia Filho, outro grande compositor sambista, com aquela introdução arrebatadora de um fagote quase fúnebre mas que ganha força e torna-se um samba marchado também num tom melancólico sincero e profundo: "Deixe me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar..."

Cartola está impresso para sempre na força da música nitidamente brasileira, sofrida, amargurada, com gosto de cigarro e café na língua esperando o troco do salário para poder quem sabe deixar de pensar nos problemas e jogar uma sinuca a mais, mas diferente da visão de um clássico ébrio sem consciência, marido que bate em mulher, inútil caído na calçada, o personagem cantado por Cartola e até representado por ele não é alimentado por um samba estúpido e vago, ou por conceitos de isopor que voam com a menor baforada de álcool, Cartola conseguiu transpassar nas suas canções profundidade invejável e poderosa, muito semelhante ao que Chico tentou fazer (e conseguiu), colocar pra fora as amarguras e questionamentos, anseios e dificuldades do ser humano brasileiro que vive os dias em busca de algo incerto.

Obs: Essa canção merece ser ouvida em sua versão de estúdio, do álbum de 76, mas a título de curiosidade, posto aqui uma rara filmagem de Cartola com seu pai onde canta O mundo é um moínho:


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